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Kassandra, Princesa de Troia. Nasceu menino, transformou seu corpo e se tornou uma guerreira do sexo. Tinha o dom da vidência, mas foi chamada de louca quando previu a terrível tragédia.  Nesta noite ela recebe clientes na boate em que trabalha e reconta, em uma língua que não é a sua, o mito violento e sensual que os escritores gregos esqueceram de narrar.

O dramaturgo Sergio Blanco escreveu KASSANDRA como um monólogo que parte do personagem mítico da princesa de Troia, mas apresenta ao público de hoje uma versão atualizada, na qual a princesa de Troia é uma mulher transgênera. O texto foi escrito propositadamente em um inglês precário para ser encenado exclusivamente dessa maneira, no que seria a representação de um idioma de sobrevivência, que permite que Kassandra seja entendida em qualquer lugar do mundo. Para a montagem, o autor propõe duas condições: que o texto seja encenado no idioma em que foi escrito, ou seja, o inglês rudimentar próprio dos imigrantes, e que as apresentações aconteçam sempre em espaços não convencionais.

 

A montagem brasileira optou por boates e casas noturnas. Kassandra é apresentada como performer dessa casa de diversões, onde a heroína troiana ressurge para recontar a sua história e desmitificar seu próprio mito. "O espetáculo é falado em um inglês tosco, de imigrante. Kassandra é uma refugiada, como as muitas mulheres que deixam seus países na esperança de melhores condições de vida, e usa os rudimentos de uma língua que não é a sua para se fazer entender  e sobreviver”, conta o diretor Renato Turnes.

Experiência teatral singular

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Na visão de Renato Turnes, KASSANDRA apresenta-se como uma artista da boate e recebe seus clientes para contar sua história. Além de profissional do sexo, ela é uma performer que apresenta seus números como uma espécie de guerreira erótica. Os aspectos trágicos, sensuais e cômicos do texto são reforçados usando elementos cenográficos presentes na própria casa noturna, explorando  o conceito de site-specific, quando a obra dialoga diretamente com o espaço no qual está inserida, formando uma unidade estética indivisível. A direção se apropria da ambiência da casa, na forma de seus equipamentos de luz e som, e explora a arquitetura específica de cada estabelecimento para construir a narrativa visual do espetáculo.

 

“O público pode beber e circular pela casa, representando ele próprio o papel de um cliente. A ideia é que o público seja tomado pela experiência de visitar a tradicional casa noturna, explorando a curiosidade que o próprio lugar provoca, e que viva uma experiência teatral única, sensual, perigosa, divertida e impactante”, explica o diretor.

 

Para a atriz Milena Moraes, KASSANDRA é uma mulher forte e fascinante que suportou com resiliência, mas sem resignação, o seu destino trágico. "Representar uma mulher transgênera tem me demandado além da empatia, muito cuidado e respeito. Cuidado para não cair em uma caricatura superficial, no "carão" exagerado e vazio de significado. Respeito ao interpretar uma mulher com uma condição que não é a minha, com necessidades distintas das minhas. Pelas estatísticas, se não tivesse nascido mulher cisgênera eu estaria morta há dois anos como a maioria das travestis”, avalia. “As escolhas estéticas e espaciais da encenação refletem diretamente no trabalho de atuação. A apropriação do espaço e a tensão que se estabelece na relação entre performer e público estão diretamente ligadas. O público é provocado a assumir o papel de cliente da casa, o que acaba por borrar os limites da cena e dar vazão ao flerte e à cumplicidade, ambos muito efetivos na tarefa de se fazer entender através da língua transformada em que Kassandra se comunica. O idioma escolhido para a encenação tem, além do caráter político, pelo broken english comum aos desterrados de qualquer parte do mundo, um caráter performático. A sonoridade desse sotaque "troiano" inventado, de vogais muito abertas e entonação gutural, criaram o estofo de uma voz que transita entre o grave profundo e o agudo festivo. Um guia das transições vertiginosas que demandam lapidação constante."

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Figurinos da Rua Augusta

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As referências ao universo do erotismo estão inseridas em diversos aspectos da montagem, da arte gráfica aos elementos cenográficos e figurinos. Os figurinos foram pesquisados e adquiridos em lojas específicas da Rua Augusta, em São Paulo, compondo um visual poderoso, ao estilo das travestis performers.

 

A maquiagem e os cabelos desenvolvidos por Robson Vieira procuram realçar a androginia presente na construção da personagem. A trilha sonora desenvolvida com exclusividade por Ledgroove remete a sonoridades gregas antigas envoltas pela modernidade do estilo do DJ, compondo uma atmosfera sonora eletrônica de forte impacto, ao misturar ancestralidade e contemporaneidade, enquanto dialoga de forma coerente com o espaço da noite na boate.

 

Diálogo Brasil-Uruguai

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O texto de KASSANDRA chegou ao Brasil graças à atriz Milena Moraes, que mantém comunicação constante com a nova geração de dramaturgos e artistas de teatro do Uruguai desde 2008, quando estreou Mi Muñequita, de Gabriel Calderón. O espetáculo, no repertorio da La Vaca Companhia de Artes Cênicas, abriu um novo território de investigação e produção, resultado do diálogo criativo entre os artistas catarinenses e a produção uruguaia contemporânea.

 

A versão brasileira de KASSANDRA é parte de uma movimentação internacional espontânea que envolve encenações do texto em vários países, dentre eles: Argentina, Brasil, Colômbia, Cuba, Espanha, Grécia e Uruguai. Ainda devem entrar no circuito montagens na França e na Itália, sempre produzidas por uma equipe diferente de artistas, mantendo como ponto em comum apenas a ideia do texto de Sergio Blanco.

 

O mito de Kassandra

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Segundo a mitologia grega Kassandra é uma das princesas de Troia – filha de Príamo e Hécuba – e um dos personagens citados nos escritos que relatam o sangrento episódio da célebre Guerra de Troia. A princesa era uma jovem tão bela que o deus Apolo por ela se apaixonou. O deus lhe ofereceu o dom de prever o futuro em troca de um filho dos dois. 

 

Kassandra aceitou o presente, mas logo se arrependeu e se recusou a cumprir a promessa. Inconformado, Apolo lançou uma maldição: ninguém jamais acreditaria em suas predições. A partir de então, a jovem seria atormentada por visões da futura queda de sua cidade, sem que nenhum dos troianos lhe desse ouvidos. Tida por louca, foi encerrada em uma torre. De lá somente sairia com Troia consumida pelas chamas, destruída pelos soldados gregos.

Através da atualização do mito de Kassandra, a montagem é atravessada por temas e reflexões  urgentes. Identidade de gênero, violência de gênero, transfobia e a própria transgeneridade compõem o território político da narrativa e são explorados no sentido de provocar o espectador, retirando-o do lugar geralmente cômodo que o teatro lhe reserva

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A encenação brasileira foi contemplada com o Prêmio FUNARTE de Teatro Myriam Muniz para sua montagem e temporada de estreia. O espetáculo foi contemplado também pelo Edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura para sua circulação por cinco cidades de Santa Catarina e tem participado de festivais importantes no país como o FILO - Festival Internacional de Londrina, FITRUPA - Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre, FIT-BH - Festival Internacional de Teatro de Palco & Rua de Belo Horizonte e  Cena Contemporânea - Festival Internacional de Teatro de Brasília. Entre os meses de novembro e dezembro de 2016 a montagem ocupou uma boate da Rua Augusta, em temporada na cidade de São Paulo viabilizada através de financiamento coletivo.

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KASSANDRA 

De Sergio Blanco 

Com Milena Moraes 

Direção de Renato Turnes

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Assistente de direção: Vicente Concilio

Trilha sonora original: Ledgroove

Figurino: Renato Turnes

Maquiagem: Robson Vieira

Máscara: Roberto Gorgati

Desenho de Luz: Renato Turnes

Fotografia: Renato Turnes

Assistentes de fotografia: Robson Vieira e Hildo Santos

Pesquisador: Esteban Campanela

Coordenação de Produção: Milena Moraes

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